O Código de Defesa e Proteção do Consumidor se aplica aos contratos de plano de saúde?

Diariamente várias ações são distribuídas pelo país discutindo os contratos de planos de saúde, os usuários costumam pleitear pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) ao caso, já as administrados dos planos tentam argumentar que a aplicação do Código de Defesa do Consumidor não é correta, quem está certo? E quanto aos contratos de plano de saúde administrados por entidades de autogestão? Será que se aplica o Código de Defesa do Consumidor?

Imagem de Dmitriy Gutarev por Pixabay

Como sempre tudo no direito exige cuidado e cautela, da leitura superficial dos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor, um estudante do assunto pode concluir que sim, o CDC se aplica aos contratos de plano de saúde, mas será que isso é uma realidade absoluta?

Precisamos sempre ter um pouco cuidado, principalmente os colegas advogados, pois o CDC pode se aplicar sim em alguns contratos, mas não em todos, não existe uma regra absoluta, antigamente o STJ contava com a Súmula 469 (CANCELADA) que dizia claramente que "Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde", contudo a mencionada foi cancelada.

A súmula antiga dava margens para uma interpretação mais abrangente, mas o próprio STJ em 2018 decidiu limitar o seu alcance editando a Súmula 608, que diz o seguinte: "Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão".

Portanto, a partir dessa nova Súmula podemos afirmar que o CDC se aplica em alguns contratos, não podendo por exemplo atingir os contratos de plano de saúde administrados por entidades de autogestão, essa é a jurisprudência atualizada do STJ.

Pois bem, quanto aos contratos administrados por entidades de autogestão, que em tese afastam a aplicabilidade do CDC, o próprio STJ tem um caso prático referente ao Sistema de Saúde dos Militares do Estado de Pernambuco - SISMEPE, que não possui fins lucrativos, ao apreciar o caso, o Tribunal afastou a incidência do CDC e a restituição em dobro, cita-se:

"ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. RECURSO ESPECIAL. SISTEMA DE SAÚDE DOS MILITARES DO ESTADO DE PERNAMBUCO - SISMEPE, CRIADO PELA LEI ESTADUAL 13.264/2007. ADESÃO E CONTRIBUIÇÃO COMPULSÓRIAS. ILEGALIDADE RECONHECIDA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. RESTITUIÇÃO EM DOBRO. IMPOSSIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. SÚMULA 608/STJ.

1. Na forma da jurisprudência desta Corte, "considerando que as pessoas jurídicas de direito privado são mencionadas expressamente no caput do art. 1º da Lei nº 9.656/1998, a utilização do termo 'entidade' no § 2º denota a intenção do legislador de ampliar o alcance da lei às pessoas jurídicas de direito público que prestam serviço de assistência à saúde suplementar" (REsp 1.766.181/PR, Rel. p/ Acórdão Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, DJe 13/12/2019).

2. Sendo possível extrair-se do acórdão recorrido a inexistência de controvérsia no sentido de que o Sistema de Saúde dos Militares do Estado de Pernambuco - SISMEPE não possui fins lucrativos e visa proporcionar assistência médico-hospitalar, odontológica e laboratorial aos seus beneficiários, resta caracterizada uma relação de natureza jurídico-administrativa entre esses dois polos, e não consumerista, o que inibe, em caso de devolução de valores indevidamente descontados, a restituição dobrada, de que cuida o art. 42, § único, do CDC.

3. Incide na espécie, também, o comando gizado na Súmula 608/STJ:

"Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão".

4. Recurso especial conhecido e provido para excluir da condenação imposta ao Estado de Pernambuco o dever de restituir em dobro os valores descontados da parte recorrida a título de contribuição para o SISMEPE, devendo fazê-lo pela forma simples."

(STJ, REsp n. 1.812.031/PE, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 7/6/2022, DJe de 10/6/2022.)

Vale mencionar que a decisão acima somente ocorreu por se tratar de uma entidade de autogestão, não atraindo o CDC, mas, não sendo uma entidade de autogestão pode sim ser aplicável o CDC ao processo em discussão, cita-se um outro julgado recente do STJ:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. SERVIÇO DE HOME CARE PRESCRITO PELO MÉDICO. RECUSA INDEVIDA À COBERTURA. APLICAÇÃO DO CDC. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015 NÃO CONFIGURADA. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SÚMULA 83/STJ. REVISÃO DAS CONCLUSÕES DO TRIBUNAL DE ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE NECESSIDADE DE INCURSÃO NO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

1. Embora rejeitados os embargos de declaração, a matéria controvertida foi devidamente enfrentada pelo colegiado de origem, que sobre ela emitiu pronunciamento de forma fundamentada, com enfoque suficiente a autorizar o conhecimento do recurso especial, não havendo falar em negativa de prestação jurisdicional.

2. A orientação deste Tribunal Superior, firmada na Súmula 608/STJ, manifesta-se no sentido de que aos contratos de planos de saúde não inclusos em sistema de autogestão aplicam-se as disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor.

3. É pacífica a jurisprudência deste Tribunal no sentido de ser abusiva a cláusula contratual que veda a internação domiciliar (home care) como alternativa à internação hospitalar.

4. O dano moral se caracteriza diante da recusa injustificada pela operadora de plano de saúde à cobertura de despesas com serviço de internação domiciliar (home care) prescrito pelo médico, por agravar psicologicamente a situação e o espírito do beneficiário.

5. O valor estabelecido pelas instâncias ordinárias a título de indenização por danos morais pode ser revisto tão somente nas hipóteses em que a condenação se revelar irrisória ou exorbitante, distanciando-se dos padrões de razoabilidade, o que não se evidencia no caso em apreço, de modo que a sua revisão encontra óbice na Súmula 7/STJ.

6. Agravo interno desprovido.

(STJ, AgInt no AREsp n. 1.885.409/RJ, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 21/2/2022, DJe de 23/2/2022.)

Diante do exposto se conclui que o pedido de aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde deve ser feito com cautela, o profissional deve analisar se de fato se trata ou não de entidade de autogestão, se sim, cuidado, tal pleito pode ser improcedente, inclusive possuindo reflexos negativos em alguns requerimentos típicos de uma petição consumerista como a devolução em dobro com fulcro no art. 42, Parágrafo Único do CDC, a inversão do ônus da prova com base no art. 6º, VIII do CDC, dentre outros pedidos calcados no CDC que, se não aplicáveis pelo fato de ser entidade de autogestão, serão julgados improcedentes, podendo gerar sucumbência e custas desnecessárias ao cliente.

Texto escrito por João Vitor Rossi, advogado inscrito na OAB/SP 425.279, graduado em Direito pelo Centro Universitário Padre Albino (UNIFIPA), pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade de Araraquara (UNIARA) e graduado em Administração pela Universidade de Uberaba (UNIUBE).

Aviso: Não estimulamos a litigância em massa, pondere com um advogado de sua confiança antes de entrar com qualquer medida judicial, analise os riscos, não existe causa ganha na Justiça brasileira e um processo pode se prolongar por anos. O autor lembra que o presente conteúdo é informativo, não podendo ser lido como um parecer jurídico.

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